Postado em 24 de Julho de 2018
Por Jairo da Silva
Segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), menos de 1% das pessoas com deficiência estão contratadas em regime CLT no país

Criada com o propósito de garantir, entre outras medidas, que empresas públicas e privadas com 100 ou mais funcionários reservem de 2% a 5% de suas vagas para pessoas com deficiência, visando à inclusão e à diversidade no mercado de trabalho, a Lei de Cotas (Lei 8.213/91) esta completando 27 anos. Apesar da idade, somente em 2004 é que ela foi oficialmente implantada no país, com regras mais claras e efetiva fiscalização pelas superintendências regionais do Trabalho.
Com o passar dos anos, o Brasil evoluiu na temática, no entanto, pesquisas revelam que ainda estamos muito aquém do necessário. Segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), solicitado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em 2016, a participação de PcDs trabalhando com carteira assinada era de 418,5 mil, representando somente 0,9% do estoque total de empregos formais. Em 2010, havia 306 mil pessoas com deficiência com vínculo empregatício.
De acordo com o coordenador do Espaço da Cidadania e diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco/SP e Região, Carlos Aparício Clemente, apesar de o número de PcDs empregadas atualmente ser baixo, sem a Lei de Cotas seria muito menor, uma vez que ela cria uma cultura de inclusão na sociedade que não é feita de forma natural. Para Clemente, as informações divulgadas pela RAIS comprovam que é possível contratar pessoas com deficiência em igualdade de oportunidades, mas ainda assim “há um grande abismo na questão”.
“Temos, no Brasil, cerca de 29 milhões de pessoas com deficiência em idade de trabalhar, que é de 15 a 64 anos, mas somente 418,5 mil estão no mercado formal. Para preencherem suas cotas, as empresas preferem contratar pessoas com deficiência leve, alegando que quem têm deficiência moderada ou grave não pode atuar em determinados serviços”, relata Clemente, que é especialista no assunto há 17 anos, sendo um dos autores do livro “Trabalho de pessoas com deficiência e Lei de Cotas: Invisibilidade, resistência e qualidade da inclusão”, lançado em setembro de 2015.
A referida publicação, além de abordar o cenário da inclusão no país, também analisa e desmistifica os principais argumentos feitos pelas instituições ao Ministério do Trabalho para o não

cumprimento da Lei de Cotas, que são: “Não há pessoas com deficiência em número suficiente para ocupar as vagas previstas na Lei de Cotas”; “A formação das pessoas com deficiência é incompatível com as necessidades do mercado de trabalho”; “As pessoas com deficiência preferem receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC) em vez de disputar as vagas de trabalho formal” e “Em muitos postos de trabalho há riscos que são proibitivos para as pessoas com deficiência”.
“As empresas arrumam mil desculpas para dizer que os trabalhadores com deficiência não conseguem dar conta do recado, em uma tentativa de desqualificá-las”, afirma Clemente, acrescentando que, “dos quatro argumentos estudados no livro, o primeiro ainda é o mais utilizado, porém, enquanto a lei garante vagas para cerca de 900 mil pessoas com deficiência em todo o território nacional, temos 29 milhões de PcDs em idade de trabalhar no regime CLT”.
A Lei de Cotas determina vagas de acordo com o tamanho da empresa:

Segundo a diretora da Mingacci Consultoria, Jaqueline Mingacci, especialista na área de inclusão de pessoas com deficiência, o mercado de trabalho – quase que em sua totalidade – só oferece às PcDs cargos operacionais, como auxiliar administrativo, dizendo ao MTE que não há mão de obra qualificada para a ocupação de outras vagas. No entanto, registros da RAIS indicam que o nível de escolaridade dos trabalhadores com e sem deficiência é semelhante.
“As empresas não olham o currículo da PcD, não querem saber da sua competência e formação. Elas olham apenas a deficiência. Tem-se o estereótipo de que elas dão trabalho, sentem dores o tempo todo e se ausentam constantemente. Fazer uma organização entender que os colaboradores com deficiência têm qualificações e podem realizar tarefas é muito difícil. Por isso, é importante que a PcD saia da posição de vítima, seja empoderada e saiba da importância da sua carreira”, destaca.
Para Jaqueline, a Lei de Cotas é de suma importância, mas precisaria ser mais rígida, uma vez que, por outro lado, também existem empresas que cumprem as cotas “apenas por cumprir”, não desenvolvendo e capacitando o profissional. Segundo ela, há PcDs que estão há anos na mesma instituição, sem ao menos mudar de cargo. “É o famoso ‘rasgando papel’. Quem contrata simplesmente pela cota, não cria um vínculo com o funcionário, não realiza feedbacks nem oferece promoções”, finaliza.
Pesquisa revela que 85% dos empregadores acham mais difícil recrutar PcDs Segundo estudo, 85% dos recrutadores consideram mais difícil encontrar pessoas com deficiência para compor o quadro dos funcionários, quando comparado aos demais processos seletivos. Entre os maiores obstáculos para o RH estão a baixa qualificação dos profissionais com deficiência (19%), a falta de acessibilidade (15%) e a resistência dos gestores (14%). É o que aponta pesquisa elaborada pela Catho em parceria com a i.Social, a ABRH Brasil e a ABRH-SP divulgada no dia 22 de maio.
De acordo com Luana Marley, da Catho, podemos associar as dificuldades de contratação à falta de informação e de uma política inclusiva nas empresas: “42% do grupo pesquisado não conhece a Lei de Cotas, o que dificulta a inserção das PcDs no mercado de trabalho. É importante que as pessoas com deficiência sejam alocadas em cargos que tenham seu perfil, obtendo assim maiores chances de crescer na área”, explica.
Outro entrave do estudo diz respeito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), onde empregadores responderam que acreditam que as PcDs preferem receber a assistência salarial do governo a trabalhar. No entanto, somente 3,2% das pessoas com deficiência recebem esse auxílio. Para o coordenador do Espaço Cidadania e diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região, Carlos Aparício Clemente, esse pensamento não faz o menor sentido.
“Para começar, o BPC envolve regras duríssimas. Entre outros pontos, ele é fornecido apenas para as famílias de pessoas com deficiência severa e cuja renda per capita é até ¼ do salário-mínimo. Uma pessoa que conclui a faculdade se contentaria em receber 12 salários-mínimos por ano de forma assistencial? Compensa mais ‘arregaçar a manga’ e ter um salário digno igual a todo mundo ou ganhar benefício do governo?”, questiona.
Desde setembro de 2011, graças a uma mudança na legislação, pessoas com deficiência que recebem o BPC podem participar do mercado de trabalho ou programas de aprendizagem, suspendendo o benefício. “Caso a pessoa com deficiência tenha o vínculo empregatício encerrado, o BPC pode ser retomado, o que não acontecia antes. No caso da aprendizagem por até dois anos, o benefício é acumulado com a remuneração de aprendiz”, finaliza Clemente.
Para a supervisora de assessoria de carreira da Catho, Luana Marley, “a baixa escolaridade não é exatamente uma realidade”, uma vez que o estudo mostra que 34% das PcDs que responderam ao questionário têm formação superior, incluindo mestrado, 23% estão cursando ou têm superior incompleto e 32% tem o ensino médio completo
Programa Jovem Aprendiz: porta de entrada no mercado de trabalho
A pesquisa elaborada pela Catho e seus parceiros também revelou que 21,92% dos recrutadores buscam profissionais com deficiência em sites de emprego. Ruy Leal, superintendente do Instituto Via de Acesso, entidade que cuida da inserção de jovens no mercado de trabalho por meio de programas como Jovem Aprendiz, Trainee e Estágios, conta que empresas que precisam preencher cotas têm optado por jovens aprendizes com deficiência, como forma de capacitá-los.
Segundo ele, ao mesmo tempo que as grandes organizações têm um determinado número de cotas voltadas para PcDs, elas também têm uma porcentagem referente aos jovens aprendizes. Como muitas vezes as vagas oferecidas para as pessoas com deficiência exigem habilidades e experiências anteriores para executar atividades, a estratégia é uma só: contratar jovens aprendizes com deficiência, prepará-los profissionalmente e realocá-los, depois, dentro da Lei de Cotas da instituição.
“Muitas firmas têm dificuldade em encontrar PcDs para ocupar certos cargos na empresa. Contratando jovens aprendizes com deficiência, os recrutadores conseguem qualificá-los para que, ao final do contrato, eles estejam aptos para fazer parte da empresa, acostumados com as funções e familiarizados com o ambiente”, explica Leal.
De acordo com o especialista, apesar de o programa Jovem Aprendiz ter muitas regras, como idade, escolaridade e modelo de contratação predeterminados, “é uma das principais portas de entrada dos jovens, com ou sem deficiência, no mercado de trabalho. E para que se adquira um bom conhecimento, é fundamental que haja dedicação e investimento de ambas as partes do vínculo empregatício.
“O jovem precisa ‘vestir a camisa’ da empresa que o contratou, e nunca, em hipótese alguma, se sentir inferior a alguém. Em relação à PcD, não se fazer de vítima é fundamental. Se ela foi contratada, é porque passou por uma triagem, foi escolhida e tem condições de estar ali, como todos os outros. Às empresas, aconselho que desenvolvam esses profissionais e se surpreendam com o que vão encontrar em cada um desses jovens”, finaliza Leal.
Sobre a pesquisa: foram entrevistadas 1.091 pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, 117 executivos e 1.240 recrutadores. Levantamento feito entre Julho e Setembro de 2017.
Por: Camila Cechinel Universo PCD